
Amor Imenso no Pequeno Vazio
(texto e fotos de Kau Mascarenhas)
Hoje o vazio me fez pensar no Amor. Amor com letra maiúscula que, de tão grande, se revela mesmo nas coisas minúsculas.
Minha mãe, e também minha professora de felicidade, me deu uma nova lição de vida. Apesar das limitações decorrentes do AVC que só lhe possibilitam um vocabulário de doze palavras ela me ensinou muito. Com apenas uma palavra, um olhar e um movimento de mão, ela me disse coisas sobre o que significa amar alguém. E não poderia ser mais eloquente.
Fui à sua casa e sentamos à mesa da cozinha para almoçar como de costume. Ela então me mostrou o jogo americano sob seu prato e apontou um pequeno orifício na borda. Um buraquinho. Um vazio.
Meu pai, que faleceu há mais de um ano, havia queimado com cigarro aquele retângulo florido de matéria plástica.
Ela apenas apontou o furinho e disse, olhando pra mim, o nome dele: “Carlos”.
Sua cuidadora e a empregada me explicaram que mamãe só quer fazer as refeições com aquela peça do jogo que tem o furinho. Entendi que essa é uma forma de estar com o homem que foi seu companheiro por 45 anos e que dolorosamente o câncer levou.
Ali, em segundos, ela me ensinou que até o vazio pode ser cheio de significado quando se ama.
Aquilo é apenas um buraquinho de queimado para alguém que vê com os olhos materiais. Mas é um símbolo de Amor para alguém que enxerga com o coração. Uma porta aberta para memórias e sensações.
O Amor faz as coisas parecerem diferentes. O pequeno se transforma em grande e o simples se reveste de maravilhas, tornando-se único e especial quando provêm do ser amado.
Engana-se aquele que acha que mamãe tem qualquer amargura no semblante quando olha para o furinho.
Ela diz o nome de papai e se ilumina com um sorriso. Em seus olhos, muita saudade. Mas nenhuma melancolia.
Aquele furo que deveria ser nada virou tudo.
E o que é um buraco? Algo feito justamente de nada, de vazio, cheio de ausência. Construído com uma matéria que ali não mais está.
Curioso. Ele lhe traz meu pai. De dentro pra fora.
Percebi mamãe me dizendo do seu jeito que o Amor deles continua de uma forma espiritual.
Não pode mais enxergar seu amado, nem tocá-lo, e isso representa o vazio.
Mas pode senti-lo, percebê-lo em alma, e isso o faz presente.
Enquanto almoçávamos eu também digeria, reverentemente, a lição de Amor verdadeiro, desapegado e respeitoso que havia recebido. Amor concreto.
Tão concreto como a mesa de fórmica vista através do buraquinho de cigarro no jogo americano.
Os dois estarão conectados através de seu sentimento que será eterno, fortemente evocado por cada uma das pequeninas e maravilhosas coisas do dia-a-dia.
E a cada refeição estarão juntos à mesa graças àquele furinho.
(texto e fotos de Kau Mascarenhas)
Hoje o vazio me fez pensar no Amor. Amor com letra maiúscula que, de tão grande, se revela mesmo nas coisas minúsculas.
Minha mãe, e também minha professora de felicidade, me deu uma nova lição de vida. Apesar das limitações decorrentes do AVC que só lhe possibilitam um vocabulário de doze palavras ela me ensinou muito. Com apenas uma palavra, um olhar e um movimento de mão, ela me disse coisas sobre o que significa amar alguém. E não poderia ser mais eloquente.
Fui à sua casa e sentamos à mesa da cozinha para almoçar como de costume. Ela então me mostrou o jogo americano sob seu prato e apontou um pequeno orifício na borda. Um buraquinho. Um vazio.
Meu pai, que faleceu há mais de um ano, havia queimado com cigarro aquele retângulo florido de matéria plástica.
Ela apenas apontou o furinho e disse, olhando pra mim, o nome dele: “Carlos”.
Sua cuidadora e a empregada me explicaram que mamãe só quer fazer as refeições com aquela peça do jogo que tem o furinho. Entendi que essa é uma forma de estar com o homem que foi seu companheiro por 45 anos e que dolorosamente o câncer levou.
Ali, em segundos, ela me ensinou que até o vazio pode ser cheio de significado quando se ama.
Aquilo é apenas um buraquinho de queimado para alguém que vê com os olhos materiais. Mas é um símbolo de Amor para alguém que enxerga com o coração. Uma porta aberta para memórias e sensações.
O Amor faz as coisas parecerem diferentes. O pequeno se transforma em grande e o simples se reveste de maravilhas, tornando-se único e especial quando provêm do ser amado.
Engana-se aquele que acha que mamãe tem qualquer amargura no semblante quando olha para o furinho.
Ela diz o nome de papai e se ilumina com um sorriso. Em seus olhos, muita saudade. Mas nenhuma melancolia.
Aquele furo que deveria ser nada virou tudo.
E o que é um buraco? Algo feito justamente de nada, de vazio, cheio de ausência. Construído com uma matéria que ali não mais está.
Curioso. Ele lhe traz meu pai. De dentro pra fora.
Percebi mamãe me dizendo do seu jeito que o Amor deles continua de uma forma espiritual.
Não pode mais enxergar seu amado, nem tocá-lo, e isso representa o vazio.
Mas pode senti-lo, percebê-lo em alma, e isso o faz presente.
Enquanto almoçávamos eu também digeria, reverentemente, a lição de Amor verdadeiro, desapegado e respeitoso que havia recebido. Amor concreto.
Tão concreto como a mesa de fórmica vista através do buraquinho de cigarro no jogo americano.
Os dois estarão conectados através de seu sentimento que será eterno, fortemente evocado por cada uma das pequeninas e maravilhosas coisas do dia-a-dia.
E a cada refeição estarão juntos à mesa graças àquele furinho.

Carlos e Marina Mascarenhas na praia de Villas do Atlântico, Lauro de Freitas - Bahia, 2008.
foto de Kau Mascarenhas
foto de Kau Mascarenhas
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